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Direito Previdenciário e o fundamento político-financeiro que vitima segurados e beneficiários do RGPS

Direito Previdenciário e o fundamento político-financeiro que vitima segurados e beneficiários do RGPS

 

Os segurados do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), cujos benefícios são geridos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), foram e continuam sendo, por repetidas vezes ao longo da história, vítimas de cenários políticos e econômicos que lhes retiram direitos e impedem a efetiva melhoria dos proventos previdenciários.

No cenário pós Constituição Federal de 1988, diversas foram as oportunidades em que o Poder Público, no âmbito administrativo, incorreu em graves equívocos que influenciaram diretamente (de forma negativa, por óbvio), nos cálculos dos proventos e reajustamento de benefícios previdenciários.

Apontadas referidas falhas do Poder Público, viram-se na sequência verdadeiras enxurradas de aposentados e pensionistas buscando o Poder Judiciário por meio de ações revisionais. A título de exemplo, podemos citar as denominadas revisões “buraco negro” (e derivadas), “ORTN/OTN”, “URV”, “IRSM”, ação com pedido de majoração do coeficiente das pensões por morte e, mais recentemente, a desaposentação.

O direito às referidas revisões ou ao recálculo dos benefícios previdenciários, em todas as citadas hipóteses, é patente e reconhecido no âmbito doutrinário e jurisprudencial (no caso da desaposentação, por exemplo, com decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça com observância do rito dos processos repetitivos – REsp 1334488/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/05/2013, DJe 14/05/2013).

Contudo, o que se enxerga no caso do Direito Previdenciário é que o Poder Público, ao invés de sanar os equívocos apontados de forma ampla e irrestrita a todos aqueles que porventura tenham direito às respectivas revisões (que, repita-se, têm origem em erros da própria Administração Pública), busca de todas as formas tão somente encerrar as discussões (inclusive judiciais), sempre sob a escusa do argumento financista.

No caso das revisões “buraco negro” (e derivadas), “ORTN/OTN”, “URV” e “IRSM”, o Governo Federal, tão logo observou o impacto jurídico-financeiro das respectivas ações, socorreu-se do Poder Legislativo para barrar a pretensão dos aposentados e pensionistas, o que se deu por meio da Medida Provisória nº 1.523/1997 (e, posterirormente, na Lei nº 9.528/97), legislação esta que instituiu prazo decadencial de 10 (dez) anos para todo e qualquer direito de ação do segurado com vistas à revisão do ato de concessão dos respectivos benefícios previdenciários. O Poder Judiciário, por sua vez, chancelou a “constitucionalidade” do referido prazo decadencial, considerando, para tanto, dentre outros, o fundamento da “preservação do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema” (RE 626489, Relator(a):  Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 16/10/2013, acórdão eletrônico repercussão geral – mérito dje-184 divulg 22-09-2014 public 23-09-2014).

Ou seja, não obstante restar evidente o direito dos aposentados e pensionistas do RGPS, o Poder Público preferiu instituir um prazo decadencial para que aqueles aposentados e pensionistas que ainda não haviam promovido as respectivas medidas judiciais ficassem impedidos de o fazer. A promoção da correção dos equívocos apontados nas referidas ações judiciais de forma ampla e irrestrita, medida que refletiria o óbvio, sequer foi cogitada.

De forma semelhante, veja-se o exemplo das ações que versavam sobre a revisão dos proventos de pensão por morte em decorrência das alterações legislativas.

Segundo determinava a Lei nº 8.213/91, redação original do art. 75, o valor da pensão por morte partiria de uma alíquota de 80%, somando-se mais 10% por beneficiário da prestação até atingir o máximo de 100%.

Por sua vez, a Lei nº 9.032/95 promoveu alteração na redação do art. 75 da referida Lei nº 8.213/91, majorando o coeficiente inicial das pensões por morte para 100%.

Diante da referida alteração, passou a existir a seguinte e bizarra situação: se um aposentado falecesse deixando apenas um pensionista exatamente um dia antes da alteração promovida pela Lei nº 9.032/95, o benefício seria calculado com alíquota inicial de 90% (80% + 10%). Porém, outro aposentado que falecesse e deixasse apenas um pensionista exatamente no dia seguinte à vigência da alteração promovida pela Lei nº 9.032/95, este benefício seria concedido com alíquota inicial de 100%. Um dia de diferença no óbito dos segurados, 10% vitalícios de diferença nos benefícios dos pensionistas.

A distorção causada pela alteração normativa configura clara e evidente violação ao princípio da igualdade, insculpido no caput do art. 5º da Constituição Federal.

Contudo, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 415454 (Relator(a):  Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 08/02/2007, DJe-131 divulg 25-10-2007 public 26-10-2007 dj 26-10-2007 pp-00042 ement vol-02295-06 pp-01004), sob fundamento no discurso da “preservação do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema”, indeferiu a pretensão revisional dos pensionistas.

Por última análise, tivemos no dia 26/10/2016 mais um exemplo claro e evidente que o discurso da “preservação do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema” supera, em larga escala, a interpretação constitucional voltada à proteção dos beneficiários do RGPS, especialmente sob a ótica da preservação da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88).

O STF, ao julgar os REs 381367, de relatoria do ministro Marco Aurélio, 661256, com repercussão geral, e 827833, ambos de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, julgou, por maioria (7 x 4), inconstitucional a possibilidade da chamada desaposentação.

Para se chegar à referida conclusão, os Ministros do STF que formaram a maioria consideraram, dentre outros e em especial, os fundamentos da “legalidade” (na medida em que não há previsão legal expressa que autorize a chamada desaposentação), da “ausência de fonte de custeio” (a majoração dos benefícios prescindiria da correspondente fonte de custeio) e, também, da “preservação do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema”.

Chama a atenção o fato de que os fundamentos considerados pelo Plenário do STF para formação da convicção da maioria no caso da desaposentação (especialmente aquele que versa sobre “legalidade”), contudo, esbarram/contradizem os fundamentos lançados para julgamento de outros casos paradigma da Corte.

Neste aspecto podemos citar o caso do reconhecimento da possibilidade da união civil entre pessoas de mesmo gênero apesar de constar literalmente no texto constitucional a expressão “[…] é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar […]” (ADI 4.277 e da ADPF 132) e, também, o caso da autorização de cumprimento da pena fixada em ação penal após decisão de segundo grau de jurisdição ainda não transitada em julgado, apesar de constar literalmente no texto constitucional (art. 5º, LVII), a garantia de que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (ADC 33 e ADC 34).

Ora, a “legalidade” deve ser interpretada restritivamente em desfavor dos aposentados/pensionistas, mas, por outro lado, pode ser interpretada de forma flexibilizada em outras situações?

Da mesma forma, é no mínimo estranho o fundamento da “ausência de fonte de custeio” para os recálculos decorrentes da desaposentação, na medida em que o pressuposto da referida pretensão é o aposentado retornar ao mercado de trabalho e, por consequência e imposição legal, retomar as contribuições previdenciárias obrigatórias.

Após as referidas reflexões, constata-se que em se tratando de Direito Previdenciário, mais cedo ou mais tarde, “a corda arrebentará do lado mais fraco”, e este lado é sempre a população. O Poder Público, enxergado de forma global (Executivo, Legislativo e Judiciário), se mostra, ao longo da história, tendente a retirar/impedir o exercício de direitos por parte daquelas pessoas que, durante a maior parte de suas vidas, trabalhou e contribuiu para o Regime Geral.

Como se vê, o argumento “econômico”, “atuarial”, “financeiro”, historicamente tem se mostrado mais forte do que a própria garantia da preservação da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88).

Analisando os exemplos citados neste texto e confrontando com as recentes discussões sobre “reforma previdenciária” noticiadas na imprensa nacional, concluímos que, infelizmente, tempos ainda mais sombrios estão por vir. Entretanto, continuaremos sempre lutando em prol da dignidade humana e da justiça social, sem temer jamais.

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* OBSERVAÇÃO (28/10/2016):

Após a elaboração do artigo acima, o Ministro Luiz Fux, ao discursar em evento que versava sobre o tema “segurança jurídica”, confirmou que "Foram os influxos da economia que levaram o Supremo Tribunal Federal a vetar essa possibilidade diante do que hoje a economia exige do magistrado uma postura pragmático-consequencialista", bem como que "Hoje, estamos vivendo crise tão expressiva que nós, magistrados, temos que antever os resultados de nossas decisões."

Clique aqui para acessar a matéria do jornal Estado de São Paulo com as falas do Ministro.

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