Previdência Privada integra ou não a herança – modalidades de planos existentes no mercado, tributação, planejamento sucessório e natureza jurídica desses contratos
02.08.2023 – Da série “educação previdenciária”
1 – PREVIDÊNCIA PRIVADA: alternativa como complemento de proventos de aposentadoria e planejamento sucessório
Vivendo apenas com proventos da Previdência Social administrada pelo INSS, milhões de brasileiros aposentados e pensionistas passam dificuldades para manutenção própria e família com os baixos valores dos benefícios, produzindo assim insegurança a outros milhões de brasileiros que recorrem, quando podem e ainda na ativa, em investimentos diversos e até em Previdência Privada para fazer frente aos períodos de inatividade na velhice, incapacidade ou na morte (esta última na eventualidade da pensão aos dependentes).
Como estudioso do Direito Previdenciário há mais de 30 anos e atuante como advogado especializado no assunto, posso atestar que convivendo com milhares de clientes e famílias ao longo desses anos, posso perceber que há muitas mudanças nas gerações atuais que se preocupam um pouco mais com o futuro de penúria principalmente em muitos ambientes familiares, razão pela qual muitos buscam com mais frequência amparar-se em investimentos para garantia financeira do futuro, sendo a Previdência Privada uma entre outras opções e possibilidades.
A Previdência Privada, em alguns casos, pode sim ser utilizada como valioso instrumento de complemento de renda, por vezes importante no sustento próprio e da própria família, principalmente em períodos de incapacidade ou inatividade dos principais responsáveis pelos aportes financeiros para cobertura da família.
Todavia, há que se ter cuidado na contratação da Previdência Privada, com escolha do Plano aplicável à exigência familiar, conforme as características próprias de renda para os períodos de inatividade e as singularidades familiares.
Dentre os investimentos possíveis próprios da Previdência Privada, há basicamente dois planos oferecidos no mercado brasileiro: PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre) e VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre).
São duas siglas (PGBL e VGBL) que agregam planos previdenciários com natureza e particularidades para efeito de incidência do Imposto de Renda. Milhares que recorrem a um desses planos sequer conhecem suas peculiaridades e adequações às respectivas necessidades dos investidores.
Por isso, faz necessária orientação adequada dos profissionais da área previdenciária para estudo de cada caso, valendo-se, no entanto, as lições a seguir como base e orientação inicial.
Veja-se, a seguir noções básicas dos dois principais planos de Previdência Privada oferecidos no mercado nacional:
No primeiro (PGBL), há dedução do valor investido em relação à base para cálculo de incidência do Imposto de Renda na declaração anual, limitado esse abatimento ao máximo de 12% da receita bruta.
Assim se sua receita tributável no ano atingir, por exemplo, R$ 100.000,00 (cem mil reais), os valores de até 12% desse total da renda tributável (R$ 12.000,00 – doze mil reais) podem ser abatidos da receita anual tributável, em caso de investimento de Previdência Privada na modalidade do PGBL.
Todavia, após cumprido o período para formação do fundo financeiro do PGBL necessário para sustentar o pagamento das prestações mensais no tempo do contrato celebrado com o Banco ou Seguradora, receberá o segurado as prestações mensais ajustadas, valores esses tributados na forma da tabela progressiva do Imposto de Renda devido. Ou seja, a tributação será no momento do recebimento dos valores das prestações, em parcelas mensais ou até em parcela única.
Por sua vez, no caso do VGBL, não há vantagem inicial eis que não há dedução do valor investido da base de tributação do Imposto de Renda na declaração anual. Entretanto, também não há tributação dos ganhos sobre o capital originário investido ao tempo do resgate, considerando que tributação ocorre apenas sobre os ganhos do capital investido. Há, ainda, a possibilidade da tributação ser progressivamente reduzida, conforme o tempo do investimento devidamente programado.
Outro ponto muito importante nessa escolha está na preparação para a sucessão (herança), considerando as diferentes alternativas e possibilidades pessoais do investidor dessa Previdência, da inclusão dessa Previdência Privada ou não na herança e a tributação sobre esses ativos financeiros.
2 – A Previdência Privada integra ou não a herança
Há muita divergência entre os tribunais sobre a incorporação ou não da Previdência Privada na herança, sendo que atualmente o Superior Tribunal de Justiça (instância final do Poder Judiciário para julgamento de questões reguladas em lei) caminha para fixar o seguinte entendimento jurisprudencial sobre o assunto:
2.1 – Investimentos na modalidade VGBL integram a herança
No âmbito do STJ tem sido frequente decisões assinalando que os investimentos da modalidade VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre), notadamente no período de formação do fundo previdenciário, constituem investimento como qualquer aplicação financeira, razão pela qual integram esses bens a serem reunidos no inventário, partilhados como herança, notadamente em respeito às regras da sucessão definidas no Código Civil.
“Os planos de previdência privada complementar aberta, operados por seguradoras autorizadas pela Susep, dos quais o VGBL é um exemplo, têm natureza jurídica multifacetada porque, tratando-se de regime de capitalização no qual cabe ao investidor, com ampla liberdade e flexibilidade, deliberar sobre os valores de contribuição, depósitos adicionais, resgates antecipados ou parceladamente até o fim da vida, ora se assemelham a seguro previdenciário adicional, ora se assemelham a investimento ou aplicação financeira (STJ – Terceira Turma, REsp n. 1.726.577/SP).
Por isso, principalmente na fase de constituição do fundo previdenciário, todo esse patrimônio do investidor alocado na modalidade do VGBL integra a herança com observância das regras de partilha, na forma da lei civil, inclusive tributação específica, conforme legislação estadual sobre incidência do ITCD (Imposto sobre Transmissão Mortis e doença – em relação a essa tributação há inclusive julgamento pendente no STF).
2.2 – Como regra a Previdência Privada do PGBL em fase de recebimento não integra a herança
Na Previdência Privada na modalidade do PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre) há duas etapas para discussão sobre integração ou não na herança: na fase de constituição do fundo previdenciário, no caso de morte do investido (segurado), tem prevalecido o entendimento de que o valor integra a herança.
“No período que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e formação do patrimônio, com múltiplas possibilidades de depósitos, de aportes diferenciados e de retiradas, inclusive antecipadas, em casos excepcionais, pode ficar caracterizada situação de investimento, equiparando-se o VGBL a aplicações financeiras (STJ – Terceira Turma, REsp n. 1.726.577/SP)”
“A natureza securitária e previdenciária complementar desses contratos é a regra e se evidencia no momento em que o investidor passa a receber, a partir de determinada data futura e em prestações periódicas, os valores que acumulou ao longo da vida, como forma de complementação do valor recebido da previdência pública e com o propósito de manter determinado padrão de vida (Terceira Turma, REsp n. 1.726.577/SP)”.
Por sua vez, após consolidado o período de formação do fundo previdenciário, entra a fase de recebimento mensal dos proventos pelo beneficiário, prevalecendo a partir daí a natureza previdenciária dos pagamentos mensais, afastando-se a partir dessa fase a natureza de investimento, com exclusão da herança e tributação para fins do ITCD.
3 – Os debates quanto à natureza jurídica da Previdência Privada e alcance nas sucessões, partilha, legítima e tributação
O crescente aumento desses investimentos da Previdência Privada acaba gerando efeitos e implicações na herança, partilha, legítima, sem contar as implicações tributárias em face do ITCD, notadamente na modalidade denominada VGBL.
Exatamente e em razão desse aumento desses novos “investidores” na Previdência Privada, surgem também inúmeras polêmicas jurídicas que ultrapassam o campo de Direito Previdenciário, desaguando em questões jurídicas de Direito de Família e Sucessões, com implicações também no Direito Tributário.
É fato e inegável que o contrato de Previdência Privada tem características singulares, realçando aspectos previdenciários, securitários, capitalização e de investimento financeiro.
Além disso, o contrato referente a Previdência Privada (principalmente da modalidade PGBL) sofre mutações jurídicas ao longo do tempo, prevalecendo na primeira fase (no período do tempo que compreende o da formação do fundo), os aspectos contratuais financeiros e de capitalização.
Por sua vez, já fase final desse singular contrato (que se inicia com a percepção dos proventos pelo investidor ou segurado), nasce e prevalece dominante até o fim os aspectos contratuais previdenciários.
Por isso, a tese jurídica que tem prevalecido em decisões mais recentes do Superior Tribunal de Justiça, ao fragmentar o contrato de previdência privada em dois tempos (do período de formação do fundo e do período que se inicia com a percepção dos proventos mensais), ganha sustentação jurídica, muito embora o STJ tenha proferido as decisões da Corte sobre o assunto, abstendo de oferecer fundamentação jurídica consistente para esse desmembramento.
De qualquer forma, vale realçar que promovendo essa separação por fase do contrato e emprestando a cada uma dessas fases a respectiva natureza jurídica prevalente, é possível, a partir daí, extrair conclusões jurídicas seguras e compatíveis com as características singulares de cada uma dessas fases.
No julgamento Recurso Especial 2.004.210 – SP (2018/0337070-7), realizado em 07.03.2023, por exemplo, o STJ cita com pertinência a doutrina de Ana Luiza Maia Nevares, cuja transcrição merece destacar:
“A utilidade e os problemas dos planos de previdência privada no âmbito do planejamento sucessório Entende-se o planejamento sucessório como um conjunto de medidas levadas a cabo com o objetivo de definir a transmissão hereditária de bens e direitos de uma pessoa previamente ao seu falecimento, sendo certo que é cada vez mais crescente a utilização de figuras contratuais em dito planejamento, através das quais a pessoa efetivamente dispõe de bens para depois de sua morte, bem como estruturam ou organizam a sucessão em determinado aspecto ou modo.
Em virtude de não serem instrumentos sucessórios propriamente ditos, não raras vezes as referidas figuras contratuais são disciplinadas por leis que não se harmonizam com a normativa sucessória e, atuando em complemento à lei e ao testamento na transmissão hereditária, conflitos e dúvidas surgem em relação ao seu papel e interpretação na sucessão causa mortis como um todo. Exemplo do ora exposto é o que vem ocorrendo com o VGBL. De fato, sendo considerado um seguro, argumenta-se que se aplica ao caso o disposto no art. 794 do Código Civil, que determina que, no seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado nem se considera herança para todos os efeitos de direito.
Por conseguinte, o VGBL passou a ser muito difundido como instrumento do planejamento sucessório, já que a facilidade de transferir os recursos sem inventário, sem pagamento de imposto e, ainda, com liberdade de escolha do beneficiário, sem dúvida, o torna muito atraente. Em muitos casos, os herdeiros não têm recursos para pagar impostos e despesas com o processo de inventário, sendo tal modalidade de plano uma excelente opção para atribuir aos sucessores os meios para tanto.
Além disso, ainda conforme o autor acima citado (Daniel de Bettencourt Rodrigues Silva Moraes), as características de contratos de seguros como o VGBL ensejam desafios diante da caracterização do próprio contrato de seguro, já que nestes é inerente o risco, enquanto que, em modalidades de contratação como o VGBL, o único risco do titular do plano é a falência da empresa seguradora. Aduz o autor: […] na medida em que, nestes contratos, o capital segurado não é convencionado, mas resulta da aplicação aos prêmios pagos, deduzidos de encargos, de uma taxa de juro técnica (rendibilidade mínima garantida) definida para a modalidade, normalmente acrescida da participação nos resultados anuais do fundo autônomo subjacente, não se verifica uma transferência dos efeitos econômicos de um risco para o segurador Por essa razão, discute-se a destinação dos recursos aplicados em VGBL no âmbito da sucessão hereditária quando há preterição de herdeiro necessário ou desigualdade entre herdeiros necessários que excede à disponível.
Para o planejamento sucessório, o que vale notar é o fato de que, independentemente de sua natureza, os aportes realizados no VGBL ou no PGBL poderão ser destinados a um beneficiário que seja expressamente indicado pelo titular dos recursos, sendo pagos diretamente pela instituição financeira, fora do inventário. A questão ganha contornos ainda mais instigantes na medida em que, sendo as aludidas verbas pagas independentemente do processo de inventário, argumenta-se que não devem sequer ser referidas na declaração de bens do inventário, por não integrarem a herança a ser partilhada.
Dessa maneira, seria fácil burlar a legítima, bastando que o autor da herança aplicasse todos os seus recursos financeiros em um VGBL, destinando-o a apenas um dos herdeiros necessários em caso de falecimento, ou mesmo burlar o regime de bens, na hipótese em que um cônjuge aplicasse os recursos do casal em investimento como o ora mencionado, nomeando um terceiro como beneficiado.
Por essa razão, a jurisprudência vem sendo sensível a essa realidade, reconhecendo que as verbas oriundas do VGBL e do PGBL devem integrar o patrimônio daquele que faleceu ou da pessoa que está partilhando seus bens em virtude de dissolução de sociedade conjugal ou oriunda de união estável.
Dessa forma, uma vez que o VGBL e o PGBL, embora tenham natureza securitária, constituem capital de titularidade do segurado, que o administra da maneira que lhe convém, podendo sacá-lo a qualquer tempo, enquanto tal capital não resta convertido em renda periódica, a previdência privada é um investimento como outro qualquer, razão pela qual devem ser contabilizados para fim do estabelecimento do monte a ser dividido por morte ou de partilha decorrente do regime de bens. Com efeito, assiste razão à Viviane Girardi e Luana Maniero Moreira quando assinalam que: Por sua essência previdenciária, com expressa previsão de aplicação das normas securitárias, a princípio, os valores vertidos ao plano e pagos aos beneficiários não serão considerados herança para todos os efeitos de direito. Logo, há dispensa do procedimento do inventário e arrolamento, o que confere agilidade no pagamento e isenção tributária […]. No entanto, o instituto da previdência privada deve ser aplicado de modo a não se tornar um mecanismo apto a fraudar as normas cogentes de Direito Sucessório, como o direito de herança, a legítima, e do Direito de Família, como o regime de bens, que devem ser necessariamente respeitadas, para que seja efetivamente respeitada a vontade do titular do plano de previdência privada.
No mesmo sentido são as ponderações de Mairan Gonçalves Maia Júnior, que assevera: À reserva constitutiva dos fundos de previdência privada aplica-se o regime jurídico próprio dos capitais de natureza securitária, incluindo-se o disposto pelo artigo 794, que o excluí, expressamente, da herança. […] A solução, no entanto, pode ser outra se demonstrado que a celebração dos negócios jurídicos de constituição dos fundos de previdência privada (PGBL ou VGBL) ocorreu com o nítido intuito de fraudar a legítima dos herdeiros necessários ou mesmo os credores do falecido.
Critérios para a compatibilização do VGBL e do PGBL com a herança e a meação Como restou demonstrado acima, pode-se dizer que a inclusão dos recursos oriundos do VGBL e do PGBL na herança ou no patrimônio a ser partilhado em decorrência da dissolução da sociedade conjugal ou da união estável ocorrerá quando sua utilização importar em desvio de finalidade, causando um desequilíbrio desautorizado na lei entre a legítima dos herdeiros necessários, uma fraude à meação do cônjuge ou companheiro ou, ainda, quando houver lesão a credores. De fato, a dinâmica de pagamento por morte de seu titular dos recursos aplicados em planos como o VGBL e o PGBL muito se assemelha à prerrogativa de indicar beneficiários por meio de testamento, cabendo ditos recursos àqueles indicados pelo titular do patrimônio. Dessa forma, será preciso examinar as circunstâncias em que os recursos oriundos do VGBL e do PGBL estão inseridos, para verificar como compatibilizá-los com a normativa cogente patrimonial do direito de família e das sucessões. Com efeito, não se pode chancelar ato que viole norma imperativa de lei, sendo, portanto, nulo nos termos do disposto no art. 166, inc. VI. E nem se alegue que ditos recursos oriundos do VGBL e do PGBL poderiam estar inseridos em categorias diversas de bens, em relação às quais não se aplicaria à normativa cogente do direito de família e das sucessões. De fato, apesar de existirem verbas que podem ser afastadas da sucessão hereditária, como ocorre com aquelas previstas na Lei nº 6.858/80, a saber, os valores devidos pelos empregadores aos empregados e os montantes das contas individuais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e do Fundo de Participação PIS-Pasep, não recebidos em vida pelos respectivos titulares, que são pagos aos dependentes habilitados perante a Previdência Social e, em sua falta, aos sucessores previstos em lei, deve-se atentar que não há plena liberdade de nomear dependentes perante a Previdência Social e que aqui ocorre uma presunção de que ditas verbas, que eram necessárias à subsistência de seu titular, seguiriam o mesmo destino em relação aos seus dependentes.
Em outras palavras, quanto às verbas previstas na Lei nº 6.858/80, não tem o titular plena e total liberdade de escolha dos seus destinatários post mortem, o que ocorre com os recursos aportados em sede de VGBL e PGBL. Por conseguinte, pode-se dizer que a regra geral será a não inclusão dos recursos oriundos do VGBL e do PGBL na herança, não sendo obrigação dos beneficiários a inclusão de ditas verbas nas declarações de bens do inventário. Com efeito, a partir de planos como o VGBL e o PGBL pode ser possível alcançar a última vontade do titular do patrimônio de forma célere e sem maior burocracia. Como explicitado acima, vem sendo cada vez mais recorrente o uso de figuras contratuais no planejamento sucessório, sendo, neste caso, ditos planos de previdência privada institutos alternativos ao testamento, já que, ao permitir disposição de patrimônio mortis causa, inserem-se entre os instrumentos que quebram a hegemonia do testamento como o único negócio jurídico com esta finalidade. Nessa direção, se o de cujus não houver deixado herdeiros necessários, não havendo fraude a credores, serão livres as suas disposições causa mortis por meio de VGBL e PGBL, não havendo o que se falar na inclusão das verbas referidas na herança.
No entanto, se o titular dos recursos oriundos do VGBL e do PGBL tiver herdeiros necessários, devendo, portanto, respeitar a legítima em caso de disposição de bens causa mortis, a destinação para um terceiro beneficiário deverá ser imputada na cota disponível do autor da herança. Nessa direção, sendo o beneficiário um terceiro diverso dos herdeiros necessários, os recursos pagos pelo VGBL e pelo PGBL deverão caber na cota disponível do de cujus, devendo ser eventual testamento que disponha da disponível reduzido até que se alcance toda a cota livre do autor da herança contando o VGBL e o PGBL com as disposições testamentárias. Neste caso, o VGBL e o PGBL deverão ser apresentados na declaração de bens e direitos do falecido, para que seja possível aferir o valor da cota disponível. Ainda na hipótese acima, tendo o titular do VGBL ou do PGBL herdeiros necessários, sendo um deles ou alguns deles nomeados como beneficiários, a referida disposição deverá ser imputada na cota disponível do autor da herança, aumentando o quinhão daqueles que já seriam beneficiados com suas respectivas heranças necessárias. Dito de outro modo, se o autor da herança dispõe de parte de seu patrimônio através da destinação causa mortis de recursos por força de VGBL ou PGBL, deve-se presumir que, com tal previsão, pretendeu beneficiar de forma diferenciada aquele a quem destinou tais recursos.
Nessa direção, conforme a vontade do autor da herança somar os recursos oriundos do VGBL e do PGBL com toda a herança e daí realizar a sua distribuição entre todos os herdeiros necessários. Isso porque, repita-se, deve-se interpretar a previsão quanto à destinação post mortem do VGBL ou do PGBL como um meio alternativo ao testamento e, portanto, em atenção ao disposto no art. 1.899 do Código Civil, deve-se buscar a interpretação das disposições mortis causa que melhor assegure a vontade do titular do patrimônio. (“Os Planos de Previdência Privada (VGBL e PGBL) na Perspectiva Familiar e Sucessória: Critérios para sua compatibilização com a herança e a meação”. Belo Horizonte: Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil, Belo Horizonte, v. 28, p. 257-274, abr/jun 2.021)”.
Na mesma direção e seguindo basicamente essa doutrina, o acórdão da Terceira Turma no RESP 1.698.774/RS, assim decidiu:
“…4 – Os planos de previdência privada aberta, operados por seguradoras autorizadas pela SUSEP, podem ser objeto de contratação por qualquer pessoa física e jurídica, tratando-se de regime de capitalização no qual cabe ao investidor, com amplíssima liberdade e flexibilidade, deliberar sobre os valores de contribuição, depósitos adicionais, resgates antecipados ou parceladamente até o fim da vida, razão pela qual a sua natureza jurídica ora se assemelha a um seguro previdenciário adicional, ora se assemelha a um investimento ou aplicação financeira.
5 – Considerando que os planos de previdência privada aberta, de que são exemplos o VGBL e o PGBL, não apresentam os mesmos entraves de natureza financeira e atuarial que são verificados nos planos de previdência fechada, a eles não se aplicam os óbices à partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal apontados em precedente da 3ª Turma desta Corte (REsp 1.477.937/MG).
6 – Embora, de acordo com a SUSEP, o PGBL seja um plano de previdência complementar aberta com cobertura por sobrevivência e o VGBL seja um plano de seguro de pessoa com cobertura por e sobrevivência, a natureza securitária e previdenciária complementar desses contratos é marcante no momento em que o investidor passa a receber, a partir de determinada data futura e em prestações periódicas, os valores que acumulou ao longo da vida, como forma de complementação do valor recebido da previdência pública e com o propósito de manter um determinado padrão de vida. 7 – Todavia, no período que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e formação do patrimônio, com múltiplas possibilidades de depósitos, de aportes diferenciados e de retiradas, inclusive antecipadas, a natureza preponderante do contrato de previdência complementar aberta é de investimento, razão pela qual o valor existente em plano de previdência complementar aberta, antes de sua conversão em renda e pensionamento ao titular, possui natureza de aplicação e investimento, devendo ser objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal por não estar abrangido pela regra do art. 1.659, VII, do CC/2002. (…) 10- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. (RESP 1.698.774/RS, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ 9.9.2020). (grifos não constantes do original)”.
Vale destacar que as consequências civis e tributárias dos investimentos em Previdência Privada tendem a aumentar os litígios envolvendo particularmente partilha em heranças e tributação pelo ITCD, já que tem aumentado igualmente as alocações de recursos financeiros antes destinados ao mercado em aplicações financeiras, mas que agora parte deles são direcionados para Previdência Privada, em particular na modalidade de VGBL, dadas as muitas e flexíveis regras desse investimento.